O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, negou que seja candidato à presidência do Brasil em 2014 e afirmou que o país ainda não está preparado para um presidente negro. Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro diz que foi alvo de racismo durante toda sua vida e que há bolsões de intolerância que se insurgirão de maneira violenta quando um negro se candidatar a presidente.
Barbosa criticou também a atuação dos jornais que, segundo ele, estão expondo sua vida privada. “Os jornais e jornalistas têm limites. São esses limites que vêm sendo ultrapassados por força desse temor de que eu eventualmente me torne candidato”, diz. O presidente do STF alega ainda que é alvo de ataques de blogs anônimos.
Na entrevista, Joaquim Barbosa fala ainda sobre a falta de representação política e afirma que o problema do Brasil está nos gastos feitas da maneira errada. “O Brasil gasta muito mal. Quem conhece a máquina pública brasileira, sabe que há inúmeros setores que podem ser racionalizados, podem ser diminuídos”.
Leia a entrevista concedida à reporter Míriam Leitão:
O senhor é candidato à presidente da República?
Não. Sou muito realista. Nunca pensei em me envolver em política. Não tenho laços com qualquer partido político. São manifestações espontâneas da população onde quer que eu vá. Pessoas que pedem para que eu me candidate e isso tem se traduzido em percentual de alguma relevância em pesquisas.
As pessoas ficaram com a impressão de que o senhor não cumprimentou a presidente.
Eu não só cumprimentei como conversei longamente com a presidente. Eu estava o tempo todo com ela.
O Brasil está preparado para um presidente da República negro?
Como pessoa pública, o senhor não está exposto a todo tipo de pergunta e dúvida dos jornalistas?
Há milhares de pessoas públicas no Brasil. No entanto os jornais não saem por aí expondo a vida privada dessas pessoas públicas. Pegue os últimos dez presidentes do Supremo Tribunal Federal e compare. É um erro achar que um jornal pode tudo. Os jornais e jornalistas têm limites. São esses limites que vêm sendo ultrapassados por força desse temor de que eu eventualmente me torne candidato.
Que partido representa mais o seu pensamento?
Eu sou um homem seguramente de inclinação social democrata à europeia.
Como ampliar o Estado para garantir direitos de quem esteve marginalizado, mas, ao mesmo tempo, controlar o controle do gasto público para manter a inflação baixa?
O primeiro passo é gastar bem. Saber gastar bem. O Brasil gasta muito mal. Quem conhece a máquina pública brasileira, sabe que há inúmeros setores que podem ser racionalizados, podem ser diminuídos.
O senhor disse que o Brasil está numa crise de representação política. O que quis dizer com isso?
Ela se traduz nessa insatisfação generalizada que nós assistimos nesses dois meses. Falta honestidade em pessoas com responsabilidade de vir a público e dizer que as coisas não estão funcionando.
Quando serão analisados os recursos dos réus do mensalão?
Dia 1º de agosto eu vou anunciar a data precisa.
Eles serão presos?
Estou impedido de falar. Nos últimos meses, venho sendo objeto de ataques também por parte de uma mídia subterrânea, inclusive blogs anônimos. Só faço um alerta: a Constituição brasileira proíbe o anonimato, eu teria meios de, no momento devido, através do Judiciário, identificar quem são essas pessoas e quem as financia. Eu me permito o direito de aguardar o momento oportuno para desmascarar esses bandidos.
Por que o senhor tem uma relação tensa com a imprensa? O senhor chegou a falar para um jornalista que ele estava chafurdando no lixo.
É um personagem menor, não vale a pena, mas quando disse isso eu tinha em mente várias coisas que acho inaceitáveis. Por que eu vou levar a sério o trabalho de um jornalista que se encontra num conflito de interesses lá no Tribunal? Todos nós somos titulares de direitos, nenhum é de direitos absolutos, inclusive os jornalistas. Afora isso tenho relações fraternas, inúmeras, com jornalistas.
A primeira vez que conversamos foi sobre ações afirmativas. Nem havia ainda as cotas. Hoje, o que se tem é que as cotas foram aprovadas por unanimidade pelo Supremo. O Brasil avançou?
Avançou. Inclusive, entre as inúmeras decisões progressistas que o Supremo tomou essa foi a que mais me surpreendeu. Eu jamais imaginei que tivéssemos uma decisão unânime.
Nos votos, vários ministros reconheceram a existência do racismo.
O que foi dito naquela sessão foi um momento único na história do Brasil. Ali estava o Estado reconhecendo aquilo que muita gente no Brasil ainda se recusa a reconhecer e a ver o racismo nos diversos aspectos da vida brasileira.
Os negros são uma força emergente. Antes, faziam sucesso só nas artes e no futebol, mas, agora, eles estão se preparando para chegar nos postos de comando e sucesso em todas as áreas. Como a sociedade brasileira vai reagir?
Ainda não vejo essa ascensão dos negros como algo muito significativo. Há muito caminho pela frente. Ainda há setores em que os negros são completamente excluídos.
Como o Brasil supera isso?
Discutindo abertamente o problema. Não vejo nos meios de comunicação brasileiros uma discussão consistente e regular sobre essas questões.
Como superar a desigualdade racial, mantendo o que de melhor temos?
O que de melhor nós temos é a convivência amistosa superficial, mas, no momento em que o negro aspira a uma posição de comando, a intolerância aparece.
Como o senhor sentiu no carnaval tantas pessoas com a máscara do seu rosto?
Foi simpático, mas, nas estruturas sociais brasileiras, isso não traz mudanças. Reforça certos clichês.
Reforça? Por quê?
Carnaval, samba, futebol. Os brasileiros se sentem confortáveis em associar os negros a essas atividades, mas há uma parcela, espero que pequena da sociedade, que não se sente confortável com um negro em outras posições.
O senhor foi discriminado no Itamaraty?
Discriminado eu sempre fui em todos os trabalhos, do momento em que comecei a galgar escalões. Nunca dei bola. Aprendi a conviver com isso e superar. O Itamaraty é uma das instituições mais discriminatórias do Brasil.
O senhor não passou no concurso?
Passei nas provas escritas, fui eliminado numa entrevista, algo que existia para eliminar indesejados. Sim, fui discriminado, mas me prestaram um favor. Todos os diplomatas gostariam de estar na posição que eu estou. Todos.
Revista Consultor Jurídico, 29 de julho de 2013
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